CHAMADO GERAL E CHAMADO ESPECÍFICO
Por Eduardo Feldberg – 09/05/2011
Neste breve artigo, compartilharei o meu ponto de vista sobre os chamados de Deus na vida de um cristão. É comum vermos jovens, velhos e até crianças já pensando sobre seu futuro ministerial, onde servirão, em que área trabalharão, e percebo que com freqüência, um grave erro ocorre quando ainda não temos convicção do que é um Chamado (ou Ministério), e como nos encaixamos nele. Neste artigo, falarei um pouco sobre os “chamados” de um servo de Deus, e discorrerei sobre este erro infelizmente comum entre os evangélicos, e que infectou inclusive a mim por algum tempo, até que entendesse melhor esse assunto, meditando na Palavra de Deus.
Como o título deste artigo sugere, entendo que um cristão tem na verdade dois chamados, ou ministérios. Um é o que considero Chamado Geral, e o outro, chamo de Chamado Específico.
Antes de qualquer coisa, precisamos entender o que é um Chamado ou Ministério. Hoje em dia, a palavra “Ministério” adquiriu uma conotação um pouco mais “pomposa”, mais “formal”, fazendo com que muitos se esquecessem seu significado primário. A palavra “Ministério” denota a área ou cargo em que “ministramos”, ao passo que a palavra “ministrar” pode ser substituída simples e corretamente por “servir”. No dicionário, encontramos as seguintes definições:
Ministrar: Servir; oferecer; conceder.
Ministério: Cargo ou ocupação em que se ministra.
Logo, “ministrar” equivale a “servir”, e “ministério” é a “ocupação em que servimos”.
Servir: Estar a serviço de algo ou alguém; ser servo ou criado de alguém; estar às ordens de alguém.
Desta forma, embasados nas definições de nosso próprio idioma, podemos entender que ter um ministério equivale a ter um cargo no qual servimos a algo ou alguém, e no contexto em que estamos, ou seja, o contexto cristão, esse algo/alguém é o Senhor. Se consultarmos os idiomas vernáculos das Escrituras, como o grego, chegaremos às mesmas conclusões, porém de uma forma até mais clara. Amiúde, a palavra traduzida como “servo” é uma tradução do termo grego “doulos” (e.g. Mt 20.27), e segundo o Dicionário do Novo Testamento Grego, esta palavra pode ser traduzida como “escravo”, “criado”, “sujeito ao serviço”, “reduzido à escravidão”, ou seja, quando Cristo nos chama de servos, está nos chamando de “escravos”, “criados sujeitos às Suas ordens”. Para alguns, isso pode ser algo ultrajante, humilhante, mas certamente esse raciocínio só pode ser engendrado por pessoas com um coração endurecido, afinal, sabendo que tudo o que Deus faz é bom e coopera para o nosso bem, certamente servi-lO é uma grande honra e privilégio. Algumas pessoas têm orgulho de seus chefes, patrões, mas muitos crentes no Senhor se envergonham ou não aceitam ser considerados “servos de Deus”. Outros simplesmente acham o termo bonito, mas não o praticam. Certamente, o simples chamado a servir ao Senhor dos Senhores e Rei dos Reis é um privilégio infinitamente maior que o de servir a qualquer outra pessoa, e deve ser para nós uma grande honra.
Nós, cristãos, somos servos do Senhor, e precisamos entender que servir não é a mesma coisa que fazer algo que nos convém, ou fazer algo que nos interesse, algo que aceitemos e nos achemos no direito de cumprir ou desprezar, mas sim uma posição de servir incondicionalmente ao Senhor onde for, como for e quando for.
Ter um ministério é ter um cargo ou ocupação onde exerceremos os serviços e tarefas que o Senhor nos atribuir, e que devem ser cumpridos a despeito de nossa conveniência, nosso “estado de espírito”, nosso ânimo. Somos servos do Senhor, e isso deve ser visto como um prazer e uma honra, portanto devemos servi-lO com zelo, temor e alegria.
Como dito, entendo que todo cristão tem dois Chamados ou Ministérios a serviço do Senhor, e seguem abaixo as definições de cada um:
Chamado Geral: Considero como Chamado Geral aquele chamado que todo cristão tem, a despeito de suas características, personalidade, preferências, gostos. É o chamado que todo filho de Deus possui, e esse chamado compreende todas as funções a serem praticadas por um cristão, e podem ser consideradas funções inatas no novo homem, ou seja, quando aceitamos a Jesus e passamos a integrar Seu Reino como servos, já assumimos essas responsabilidades. Repito que estas são as funções que todo cristão deve exercer, não importando seu Ministério Específico. São funções como:
01) Ser um servo (Mt 24.46; Mc 10.44; Jo 12.26);
02) Ser um adorador (Jo 4.23);
03) Orar por si mesmo, pelo próximo, pelos missionários, pelos inimigos... (Mt 5.44; Lc 22.40; 1Tm 2.1,2...)
04) Pregar o Evangelho (Mc 16.15);
05) Buscar a Deus (Jr 29.13);
06) Jejuar (Mt 6.17);
07) Etc...
Estas práticas devem ser exercidas por todo cristão, ou seja, todos nós devemos orar, buscar a Deus, interceder, adorar, pregar o Evangelho, servir a Deus e ao próximo, independentemente de nosso ministério específico, nossa personalidade, nossas preferências, nossas virtudes ou defeitos. Devemos fazer isso, pois estas práticas são parte fundamental da vida cristã, e todos devemos praticá-las.
Chamado Específico: Este chamado é diferente, pois se trata de algo específico dado por Deus a cada cristão, de acordo com o que Ele acha melhor, ou seja, Deus olha nosso perfil, nossas preferências, as habilidades que nos deu e de acordo com elas, nos encaixa num ministério específico, que não é comum a todos os demais, mas sim algo específico para nós. Não que seja exclusivo para mim ou para você, mas trata-se de algo que não é inclusivo a todo cristão. Com base em Efésios 4.11, vou citar alguns Chamados Específicos:
01) Apóstolo
02) Profeta
03) Evangelista
04) Pastor
05) Mestre
Nem todos os filhos de Deus são profetas, nem todos são evangelistas, nem todos serão apóstolos, pois estes ministérios são específicos para cada cristão. Deus olha o perfil de cada filho Seu, e inclina o coração dele para este ministério mais adequado. É claro que Deus pode moldar (e molda) cada filho conforme Sua vontade, mas entendo que o Chamado Específico se assemelha com a concessão de dons. Em 1 Coríntios 12, lemos que o Espírito Santo capacita cada um com dons que lhe serão úteis para edificação da Igreja, ou seja, Deus dará dons para uma pessoa conforme a maior utilidade e proveito no contexto ou particularidades do ministério exercido por ela. O chamado específico também funciona assim. Se você é uma pessoa que ama estudar e obter novos conhecimentos, muito provavelmente Deus te usará como um mestre, que ensinará a Palavra a outros. Se você se sente incrivelmente compelido a pregar o Evangelho a todos que se achegam a você, é mais provável que Deus te use especificamente como um evangelista, e por aí vai. Neste assunto, gosto de fazer um paralelo com os dons. Perceba o seguinte:
• Existem pessoas que têm dons de cura, não existem? Sim! Porém, Deus diz em Sua Palavra que todos devemos orar, e os enfermos serão curados!
• Existem pessoas que têm o dom da fé, não existem? Sim! Porém, a Palavra nos diz que todos devemos ter fé, e orar!
Por quê? Porque Deus quer que todos nós pratiquemos e vivamos Sua Palavra, Seus Mandamentos, mas para alguns, entendo que Deus aquece mais o coração para que exerçam aquela determinada função com mais empenho, com mais freqüência, com mais preparo. Todos nós devemos orar por cura, mas uma pessoa que tem esse dom fará isso com mais fogo no coração. Não que os demais não façam com ardor, mas quem tem o dom de cura se sentirá mais compelido a orar pela cura, provavelmente com mais fé que uma pessoa que não tem esse dom. Na vida ministerial acontece algo parecido. Todos nós devemos fazer diversas coisas, mas alguns a farão com mais empenho e zelo que as outras, pois são chamados especificamente para aquilo, todavia não estão isentos das demais tarefas comuns a todos os cristãos. Uma pessoa que tem o ministério de mestre, por exemplo, não pode jamais dizer:
- Não vou pregar o Evangelho, pois isso é coisa de Evangelista!
Não! Pregar o Evangelho é tarefa para todos, porém, alguns que têm esse Ministério Específico farão isso com mais dedicação.
Como disse no início, vejo que muitas vezes ocorre um grande erro no tocante à vida ministerial de muitas pessoas, e considero vital compreendermos isto, para que não erremos ou sejamos omissos em coisas que não podem nem devem ser esquivadas. Por algum tempo, cai no erro de ambicionar tanto um Chamado Específico, almejando um cargo ou ocupação notável e importante, que esqueci (ou fingi esquecer) de praticar meu Chamado Geral, que normalmente é menos visível e honroso aos olhos humanos que o status de ser um “grande pregador” ou “missionário transcultural”, e vejo que muitas pessoas ainda incorrem neste erro de olhar tão além, que se esquecem de cumprir seu chamado no tempo presente. Vou dar alguns exemplos:
Há pessoas que dizem que seu futuro chamado é pastoral, mas hoje, não servem a igreja, não ajudam no que ela necessita, não se prontificam a auxiliar as ovelhas, ou seja, olham o possível Chamado Específico futuro, mas ignoram o Chamado Geral presente, como se no momento ela não tivesse que fazer nada a não ser aguardar as portas do pastorado se abrirem.
Outros querem ser grandes missionários, e almejam ir para a África ou para os confins da terra, mas não pregam o Evangelho onde estão, não participam de grupos missionários, de intercessões por missões, de trabalhos evangelísticos, ou seja, olham para o Chamado Específico que pode vir, mas não fazem nada no tempo presente, conforme aquilo que está em suas mãos, e que já foi determinado por Deus. Há pessoas que sentem um “chamado para a Índia”, e assim recusam-se a fazer algo que não se relacione com aquela nação. Não fazem nada enquanto não pisam ali, justificando-se que seu chamado é para com os indianos.
Algumas pessoas sonham em trabalhar integralmente como músicos, ministros de louvor, mas se recusam a servir em outras áreas, pois vislumbram apenas o ministério tão sonhado de rodar o mundo ministrando louvor. Dizem:
- Não! Não vou me comprometer com outra tarefa ou função, pois meu chamado é para outra coisa.
São indivíduos que estão com a vida travada, pois olham tanto para o futuro que se esquecem que o maior chamado delas é servir, e não apenas no futuro, mas servir hoje, amanhã, depois de amanhã, e no mês que vêm... Se Deus nos promete algo, não devemos esperar a concretização dessa promessa sentados, mas sim trabalhando. Temos que aguardar a realização de Sua Palavra servindo!
Infelizmente é tão comum ouvir pessoas totalmente acomodadas, que não servem para nada (literalmente), e quando você vai conversar, descobre que a pessoa tem um “chamado para missões”, ou um “chamado para ministrar louvor na Europa”, ou um “chamado para ser pastor de multidões”, mas não fazem absolutamente nada pelo Reino de Deus enquanto não estiverem num palco, noutro país ou com um microfone na mão, e isso é uma grande incoerência no Reino de Deus! Conheço pessoas que sentem que têm chamados para a arte (música, dança, teatro...), por exemplo, e inclusive já receberam diversas profecias a respeito de seu futuro chamado, mas que esperam tão ardentemente essa convocação, que se recusam a empreender outra obra de serviço, pois acham que “não tem a ver” com o chamado dela, olvidando-se de seu chamado geral, que independente de qualquer coisa, é o de ser um servo do Senhor.
Com isso, muitos acabam visualizando o que sonham, mas não o que vivem. Planejam o futuro, mas não trabalham no presente, esquecendo-se que a despeito de qualquer chamado ou ministério, o primeiro cargo que o Senhor nos atribuiu é o de servos. O problema é que muitos não pensam em servir agora, mas sim quando estiverem em outra nação, ou em outra igreja, caindo no erro de serem infiéis no pouco, esperando que sejam colocados sobre o muito. Imagine-se como um chefe, e raciocine o seguinte:
- O fulano quer ser um missionário, mas ele não serve a igreja, não ajuda os pastores, não se preocupa com as ovelhas, não se prepara em sabedoria e conhecimento, não vai à igreja, não demonstra disposição em servir e não freqüenta orações por missionários! É óbvio que eu não o contrataria como “funcionário missionário”! Sua vida demonstra que ele não se preocupa com aquilo que sonha, não busca capacitação, e que tão somente quer algo grandioso, mas se recusa a fazer aquilo que já pode fazer onde está!
Embora eu não seja Deus e Seus planos estejam infinitamente acima dos meus, concluo que esse é um raciocínio válido, pois não é inteligente usar uma pessoa folgada, relaxada para uma obra tão honrosa como a de servir ao Senhor em uma área específica. (Jr. 48.10)
Como alguém pode querer ser um missionário transcultural que salvará vidas por meio da pregação do Evangelho, se onde está, é negligente e ignora o clamor do seu próximo, que ruma ao inferno a passos largos? Como alguém pode ambicionar ser um “ceifeiro”, se onde está não prega o Evangelho para ninguém, não participa de nenhum grupo de evangelismo, não frequenta nenhum grupo de intercessão por trabalhadores do Reino, que morrem ao redor do mundo sem um auxílio e amparo espiritual?
Como alguém pode pretender ser um pastor, que terá uma igreja e que cuidará de suas ovelhas, se atualmente, não demonstra nenhum zelo para com a Casa do Senhor, não manifesta nenhuma simpatia, empatia ou preocupação com as ovelhas que o ladeiam, não dá a mínima em ter compromisso com ministérios, ignora a questão da submissão e sequer freqüenta regularmente os cultos de uma igreja?
Como alguém pode desejar ser um “grande” profeta, se não paga o preço em oração, em busca por dons, em mortificação da sua carne para ouvir nitidamente a voz do Senhor, não ora nem jejua, não se santifica?
O que quero neste artigo é mostrar que há coisas que faremos quando iniciarmos nosso Chamado Específico, mas há muitas outras coisas que devemos fazer sempre, independente de nosso ministério, e além de adorar e buscar a Deus, quero salientar a função de ser um servo! O próprio Cristo já nos disse que Ele mesmo veio para servir (Mc 10.45), e como todos nós fomos predestinados a sermos como Ele (Rm 8.29), devemos ser servos também, e trabalhar em função do Reino de Deus, da edificação da Igreja, da expansão do Evangelho. Servir é uma tarefa de todo cristão! Precisamos nos lembrar que estamos neste mundo para servir, e repito que servir não é algo que podemos escolher, que podemos renunciar. Não é optativo. É comum vermos pessoas que só ajudam quando “estão afim”, quando “estão dispostas”, quando não estão com sono, mas isso é algo bem distante do sentido real de servir.
Exemplificando, é comum num momento de extrema necessidade e urgência, eu ter que escalar músicos para tocar num culto dos jovens, e admito que é facílimo encontrar voluntários, porém, há vezes em que tenho que ligar para encontrar voluntários para tocar numa vigília, e fico por mais de três dias contatando dezenas de músicos, e quase todos se omitem, demonstrando que na verdade, a disposição em seus corações não é de servir, mas simplesmente de tocar, e isso é nítido, pois ouço subterfúgios como:
- Não vai dar, pois terei ter que trabalhar na segunda-feira.
(Se recusou a ir, pois teria um compromisso dois dias depois da vigília!)
- Eu até iria, mas tive que trabalhar essa semana inteira e estou exausto!
(Assim como outros milhões de pessoas, e como 90% das pessoas que compareceram à vigília!)
- Eu não gosto de ministrar em vigília!
(Mas quem disse que um servo tem direito a gostar ou não do que lhe foi atribuído? Obviamente não foi uma postura de servo!)
- Estou morrendo de sono!
(Ou seja, esse músico só pode servir quando está bem disposto. Esqueça aquele papo de sacrifício, mortificação, tomar sua cruz, negar-se a si mesmo...)
Obviamente não pretendo dizer que sou melhor que alguém, pois não sou, mas pelo menos a noção de que um servo deve servir eu já tenho, e oro para que todo cristão tenha isso definido: Estamos aqui para servir! Estamos aqui para trabalhar, e serão nessas horas que mais nos orgulharemos (no bom sentido de “orgulho”), pois teremos a oportunidade de mostrar a Deus o quanto O amamos, e o quanto queremos servi-lO, a despeito de nossa vontade ou disposição. Serão nessas oportunidades que mostraremos ao Senhor (porque queremos, e não porque Ele precisa, afinal, Ele já conhece a disposição de nosso coração) o quanto nos sentimos honrados em servi-lO onde, como e quando for.
Que eu e você possamos ser servos, e não almejar apenas algo grandioso, mas servir a Deus também nas pequenas coisas, naquilo que está ao nosso alcance, e que muitas vezes está fora do alcance dos olhares dos demais. Que sejamos servos, para sermos parecidos com o modelo que Cristo nos deixou. Que nosso desejo por um Ministério Específico Futuro não solape o Chamado Geral que já temos, e que deve ser cumprido no tempo que se chama hoje!
Que Deus abençoe a todos nós, honrados servos de Cristo.
E.F.